Blogia

A FÁBRICA

COLOCAMOS AS PRIMEIRAS PEDRAS

Estamos a pensar en diferentes departamentos produtivos para a nosa Fábrica e aceitamos propostas. Algúns exemplos poderían ser: poemas ou outro tipo de textos apañados da Internet, textos de autores convidados, diálogos poéticos (un poema en resposta a un outro), poemas á maneira de..., links literarios comentados, un pouco de todo (opinións de actualidade, comentarios varios).

ROMANCE DO POETA DESCAVALGADO

Sou poeta galego,
quer dizer poeta edificado
nas ruinas da Galiza,
certo alicerce abandonado
do espírito português.
Sou cavaleiro sem cavalo
e a santa estirpe que canto
é um prego fundo extirpado.

Sou poeta descavalgado,
ginete errante de futuro incerto
que alguns querem ver no passado,
e ilusos cavalgam um asno
a pensarem que é cavalo.
Sou cavaleiro sem cavalo
e a santa estirpe que canto
é um prego fundo extirpado.

Sou um sino sem badalo,
esqueci o meu destino
outrora coroado,
e certas rédeas me conduzem
a um ermo campo isolado.
Sou cavaleiro sem cavalo
e a santa estirpe que canto
é um prego fundo extirpado.

Mudam os tempos, não mudam as vontades
a tentarem ver-me sempre
poeta descavalgado,
mas há um cavalo alado que sonho
a pastar em território ilimitado.
Sou cavaleiro sem cavalo
e a santa estirpe que canto
é um prego fundo extirpado.

POEMA A TRÊS MUSAS (com o Alfredo Ferreiro e o Pedro Casteleiro)

Botar a andar até ao fim do mundo
que em toda a mão começa,
noite, noite alaranjada menina
azul, infinitamente suicídio
São todos os cantos que cabem
no canto do papel. Ressalta no chão
o medo. Escrito na senda do
papel, como che havia de
dizer aquilo que sabemos?
Recitamos a volta do sonho e dançamos
com o cadáver incerto? Não, simplesmente
abraçamos a sombra do nosso amanhecer.
Condensando assim a sabedoria corporal,
viver de garrafas dadas com os
próprios sonhos.
Até arrojar os ossos sobre a mesa
e comprovar que caem em ordem.

MEMENTO

Lembro un poema breve
sobre unha muller que sae
ofrecer unha cadeira
que ninguén ocupou pasado o verán.
A porta fecha a casa á noite
mentres as chuvias do Trópico
secan a súa dor.
Agora este poema é teu,
é meu...
apenas por unha copia que conservo.

[A VIDA ETERNA: EPÍLOGO]

(Para o Mário, com profunda amizade, devolvendo-lhe o que é seu)

Serei explícito. Sei que as pessoas que me conhecem não irão acreditar no que vou dizer, mas eu sou de madeira e a minha vida é eterna. Não nasci de madeira, mas sou de madeira e morrerei de madeira. O meu percurso é rápido, mas eu sou de madeira. O meu ventre é cilíndrico, porque eu sou de madeira. As minhas viagens, escassas. Porque eu sou de madeira. E a minha vida, eterna. Sou um homem de diamante. Pois é minha a capacidade da reflexão. Minha, a potência da luz. Na minha face o burguês indolente derrete seu desejo de mudar. Tenho a liga dos sinos. Dos que anunciam a paz. A farinha tinge já os meus cabelos. Sou quem cruza o deserto e saúda os templos. Se existisse uma pessoa que soubesse compreender as minhas mãos, veria nelas o caminho certo da libertação. A mão aberta que é pulsão irreprimível de vida. Atrás da minha face de morto, assoma a visão palpitante do coração de deus. Porque, como tenho plagiado, eu sou a mão que rasga a roupa de deus. E quem lha rouba. Foi Gabriel quem me aconselhou no vestuário. O Velho da Montanha mostrou-me os meus intestinos e neles vi o meu caminho. Sei que desenharei cidades, sei que constuirei os malecões. Sei que caçarei nos cais o amor. Sei como são os lemes que irão florescer no meu cabelo. Sei quais são as palavras do rumo certo. Sei por que ainda me obstino em persistir na viagem. Sei muito bem qual a função dos sapos, qual, como mostrarei, a cartografia do deserto. Sei, enfim, por que esculpo o meu corpo, por que amplio os espaços do poema. A minha é a experiência de uma vida eterna, a exploração sistemática do vazio que sucumbe. O conhecimento telúrico do amor que nos funda. Isso que tem como nome canção. A vida eterna é o conhecimento exacto, a descrição minuciosa do que assinala o norte. Caminhar polo centro da rua com as roupas tiradas e alma de corço. A imaculada lentidão dos meus passos até ao centro da floresta onde a minha cabeça é um manancial que flui brutal polas ruas e as praças. Inunda a cidade. Licua os espaços. Cria a revolução. Nadam os revolucionários. E os corpos saltam como sapos gozosos. E os homens ocupam o lugar dos sapos, depois do beijo. E Baal ri enquanto perde o tempo com Vénus na biblioteca. Nos olhos do Velho da Montanha eu vi a minha origem. E eu, em silêncio na minha cadeira de pedra, estático e marismático, de madeira, ofereço estes versos poderosos de vida, estes ramos que falam da árvore que é a cidade, que é verdor entre o imundo fumo, que é uma casa, que é a pulsão de um corpo nascente, dos poros carregados de memória. E por isso ofereço hoje estes versos como demonstração incontestável da experiência de viver uma vida eterna. Cruzando o deserto, continuamente. Tendo cruzado o inferno, que é um jardim autoritário, que é o esquecimento da poesia.

[A VIDA EXTREMA: INTRÓITO]

Serei explícito. Sei que as pessoas que me conhecem não irão acreditar no que vou dizer, mas eu sou nómada e a minha vida é extrema. Não nasci nómada, mas sou nómada e morrerei nómada. O meu percurso é lento, mas eu sou nómada. O meu ventre é imenso, mas eu sou nómada. As minhas viagens, escassas. Mas eu sou nómada. E a minha vida, extrema. É por isso que, como escreveu Nietzsche, eu não sou um homem, sou dinamite. Pois é minha a capacidade da implosão. Minha, a potência criadora. Atrás da minha face de burguês indolente, explode o apetite de destruição. Eu sou da estirpe dos assassinos. Dos que querem a guerra. A morfina corre polas minhas veias. Sou quem cruza o deserto e derruba os templos. Se existisse uma pessoa que soubesse compreender as minhas mãos, veria nelas os dedos compridos da peste libertadora. A mão negra que é pulsão irreprimível de vida. Atrás da minha face de morto, assoma a visão espantosa do útero de deus. Porque, como tenho escrito, eu sou a mão que dá a vida a deus. E quem lha rouba. Foi Baal quem edificou a minha biblioteca. O Velho da Montanha mostrou-me os seus intestinos e neles vi o meu caminho. Sei que destruirei cidades, sei que levantarei ídolos. Sei que caçarei nas florestas do Norte. Sei como são os vermes que irão crescer no meu ventre. Sei quais são as palavras. Sei por que ainda me obstino em persistir no sacrifício. Sei muito bem qual a função dos sapos, qual, como mostrarei, a forma do inferno. Sei, enfim, por que destruo o meu corpo, por que limito os espaços do poema. A minha é a experiência de uma vida extrema, a exploração sistemática do vazio que me envolve. O conhecimento cirúrgico da dor que nos funda. Isso que tem como nome doença. A vida extrema é o conhecimento exacto, a descrição minuciosa do que é a morte. Caminhar polo centro da rua com roupas burguesas e alma de caçador. A imaculada lentidão dos meus passos até ao centro da praça onde, como escreveu Octavio Paz, a minha cabeça é uma fonte. E isso mana com força. Flui brutal polas ruas e as praças. Inunda a cidade. Devora os espaços. Cria a revolução e extermina os revolucionários. E os corpos explodem como sapos. E os sapos ocupam o lugar dos homens. E Baal ri enquanto queima a minha biblioteca. Nos intestinos do Velho da Montanha eu vi a minha origem. E eu, em silêncio na minha cadeira de pedra, estático e indolente, nómada, ofereço estes versos poderosos de vida, estes versos sociais que falam do inferno, que é a cidade, que é o fedor imundo do capital, que é uma casa, que é a geometria de um corpo quebrado, dos poros estilhaçados, que é a memória. E por isso ofereço hoje estes versos como demonstração incontestável da experiência de viver uma vida extrema. Cruzando o deserto, eternamente. Cruzando o inferno, que é um jardim, que é um gesto autoritário, que é o esquecimento, que é a poesia.

A verdade não está num sonho mas em muitos

“ A fidelidade é uma virtude mas a inconstância também o é “ (As Mil e Uma Noites)

Porque qualquer comprometimento deve ser submetido à peneira do coração, sob pena de obstaculizar a nossa verdadeira fidelidade com a procura mais íntima. Estou estes dias a traduzir o Jalaluddin Rumi e encontrei este comentário “ vimos fazer uma só cousa, se a figermos e deixarmos sem fazer o resto, não tem muita importância; mas se figermos todas as cousas e deixarmos essa sem fazer é como se não tivéssemos feito nada”. Creio que nós somos e fomos de alguma maneira uma escola, e as escolas não permanecem inalteráveis, mudam em virtude das circunstâncias, algumas desaparecem. Nada mais do que uma escola, naturalmente de umas características diferentes ao que é habitual, em que não há magistério visível, apenas estudantes. Ou buscadores de pérolas, embora sejam já praticantes avançados. Valorizo muito as intervenções e o nível do Mário, o Ramiro e o Alfredo e compreendo a Táti, na sua expressa necessidade e vontade de mais ar, de mais mar. Na esteira da liberdade e o amor, o caminho dela ela mesma há-de acertar, mas é afinal precisa uma errância própria, e errância significa caminhar e aprender, como me dizia há anos o Chíqui. Mas não é, creio, o momento nem do travão nem da esgrima, está aqui a Táti a falar de algo muito importante, que não é a ortografia mas a adequação não traumática e fértil ao que nos cabe viver, sendo ao mesmo tempo, na medida da arte e o espírito de cada um, transmissores de tudo aquilo que de positivo nos foi entregue, em palavras de Saramago, da melhor maneira que soubermos. A melhor maneira de escrevermos é sempre na norma internacional da língua galega? Apenas é esse o ousado estatement de Táti. E dos sábios imprudentes é o ouro, parafraseando a Camões. Bem, em todo o caso, acedamos, na medida em que pudermos, ao Camões e ao melhor das nossa tradição literária clássica e moderna, e procuremos, se assim o requererem, que os nossos filhos recebam também a sua parte neste vinho excelente.

Um abraço.

REFLEXIÓNS SOCIOLITERARIAS

Algunhas razóns que se me ocorren para utilizar tamén as Normas Ortográficas da R.A.G. (nin con orde nin por orde):
-Porque teño vontade de participar todo o libremente que podo na sociedade que me rodea: desde enviar unha carta a un xornal a publicar na miña “aldea”. Abrir as posibilidades de intervención social: introducir contidos libremente. Non quero renunciar a nada.
-Porque non quero escribir de varias maneiras diferentes só por obrigación, precisando de un traballo de revisión de coherencia cada vez que escribo calquera cousa que alguén máis vai ler ou pode ler.
-Porque termos como caneta ou brinco me resultan tan alleos como os seus correspondentes en euskara, por moito que boli e pendente sexan castelanismos.
-Porque aínda que me parezan moito máis lóxicas as normas de acentuación portuguesas ou me dea certo arrepío ao escribir cousas como beirarrúa, creo que son o tipo de cousas susceptiveis de seren mudadas cara ao portugués se decaer un bocadiño a relevancia do conflito ideolóxico ligado á ortografía; e mesmo, talvez, sexa preciso o confronto desaparecer para que estas mudanzas se sistematicen cara a un estándar que sobreviva máis de dous anos. Eu, pola miña parte renuncio a seguir a facer bandeira dese conflito. En último caso, por que non facer o que todos os escritores en Norma Oficial, oficialistas ou non, que non hai unha honrosa excepción que cumpra a norma como o fai coa do castelán, nin por vocabulario nin por estruturas.
-Porque é unha ferramenta útil para a comunicación co máis próximo.
-Porque con todo ser o portugués un material máis rico en xeral, tras moitos anos de estudo considero que é moi difícil adquirir a competencia que faga rendível ese corpus tan completo.
-Porque, pensando na literatura, escribir en portugués na Galiza é dedicarlle a maior parte do tempo a un só dos elementos que acaban dando nun texto. Ter materiais de primeira non asegura a construción dunha boa casa; lonxe disto, existen construcións feitas con materiais pobres e deseños simples que son grandes obras de arte.
-Porque a finalidade da casa é acoller as persoas de forma adecuada. Se o obxectivo de facer literatura é defender a lingua, a súa base será o material lingüístico, mais se o seu obxectivo é comunicar pensamentos poéticos, a súa base será atinxir esa comunicación.
-Porque non considero que antes estivese equivocada e agora non. Nin o estaba antes nin o estou agora. Nin tampouco estou libre de mudar de opinión de novo no futuro. Simplemente me sinto libre para experimentar.
-Porque o pensamento poético é libertario e portanto incompatível con calquera fundamentalismo: na miña opinión, Eusebio Lourenzo Baleirón facía boa poesía e Guerra da Cal non.
-Porque do punto de vista sociopoético non se é poeta galego/-a. Hoxe en día isto paréceme difícil de asimilar.
-Porque a miña patria é a lingua portuguesa, escríbaa como a escriba.
-Porque, como estou esgotada de unha militancia que xa non sinto como propia, decido trocar a militancia da escrita pola da comunicación.
-Porque por salvagardar tanto a integridade formal da lingua, as miñas ideas poéticas, a miña concepción do mundo, a miña ideoloxía, en moitos sentidos, fica fóra da sociedade en que vivo. A moitos efectos estou autoestigmatizada, mais acho que non teño vocación de mártir. Dun punto puramente lingüístico non vou renunciar nunca, creo eu, ás miñas convicións reintegracionistas, mais dun punto poético e ideolóxico penso utilizar para me comunicar o vehículo máis útil en cada momento.
-Porque nun dado momento comezou a ser un freo para a creación que vin que nin os artistas plásticos nin os actores e actrices, por pór só dous exemplos, tiñan. E que, de o teren, probavelmente descoñecería cousas que valoro moito.

O que os velhos dizem sobre as ideias políticas e a arte

Porquanto tenho escrito ultimamente alguma palavra em que não quigem deter-me, dentro de um texto mais longo, escrevo isto para aclarar que nada acho de essencialmente negativo em todas as actividades e grupos políticos ou culturais que têm fundado a minha pouca ou muita formação em tais áreas, conhecimento que decerto agradeço imenso. Se algo achar de negativo nos movimentos políticos será enquanto se transformarem em um fim em si mesmo e submeterem o pessoal a comprometimentos inférteis. Falo humildemente e desde a experiência pessoal também. Quando falei dias atrás de redutos, falava de atitudes sectárias dentro dos grupos reintegracionistas, galeguistas, libertários… não de quanto é fértil e útil em esses movimentos, ou nos opostos, de cujo contributo eu também beneficio.

Lembrando o ponto estelar da história das ideias políticas na Europa e América, as revoluções francesa e estadounidense, em que aparece pola primeira vez o clube ou partido vinculado à actividade das lojas massónicas ou ao iluminismo -daí a Ilustração. As sociedades secretas continuárom a dominar, munindo de sentido, a maior parte da actividade política até princípios do século XX, subrepticiamente ou à plena luz, com uma actuação que incidia especialmente na extensão da educação científica, a justiça social e o livre trânsito das ideias e as pessoas, longe do controlo dos poderes do antigo regime e os seus herdeiros. Eu penso, com aqueles, que sem essa vinculação com a essência da tradição poética e espiritual universal, a actividade artística e política fica sempre doente de si mesma.

Aclarações, com fundo de Jaureguizar

Com intenção de aclarar um ponto ontem falado com o Mário Herrero, com afecto e sinceridade, escrevo aqui. Há breve participei pola primeira vez no blog de Jaureguizar, na “Morte de um Jovem Contribuinte”, e participei porque considerei um assunto interessante, julguei ter visto o veio do monolitismo nacional numas aclarações, bem-intencionadas, sobre o uso da língua galega. E de facto, aproveito para deixar um ponto positivo para o esforço e atitude de Jaureguizar. Chamo a atenção sobre a fixidez, ao meu critério, de intentos de alteração dos usos lingüísticos por via da coerção moral, ou da estigmatização. E chamo a atenção a esse ponto porque creio que as pessoas usarão a língua ou a forma da língua (ou a ortografia) que mais as favorecer, em que melhor se desenvolverem, e o mais são mais ou menos martirológios ou linchamentos vários. Pessoalmente, não tenho qualquer compromisso com nada que não seja a procura da própria sensatez, e reconheço-me necessitado de todas as demais consciências para me não extraviar demais; de modo que obviamente não sou desaprovador nem comigo nem com os mais polo uso de qualquer instrumento lingüístico que se julgar próprio ao lugar, a gente e o tempo.

Com certeza que, como nos transmite a tradição dos movimentos de reconstrução civil galega, a língua original da Galiza é o galego, língua também chamada de português fora dessa nação, e com certeza será uma enorme riqueza para os habitantes da Galiza, para a Lusofonia, para o mundo talvez, a língua galega se normalizar ( e ao meu modo de ver isso significa “se reintegrar no âmbito lusófono”) sem exclusões legais de nengum outro uso que qualquer sector significativo da sociedade galega mantiver. Creio que o único importante, nesta altura e a este efeito, é munir-nos de instrumentos desenvolvidos de comunicação, e creio que no nosso caso, espanhol e galego (ou galego-português, quaestio nominis) são instrumentos próprios para a expressão desenvolta das ideias e a informação, bem como para o acesso aos textos universais de valor na nossa própria língua, sobretudo aos literários. Nesse ponto julgo mui necessária a intervenção da gestão pública na implementação do ensino da língua galego-portuguesa, e saúdo satisfactoriamente (considerandos e reticências admitidos) a redacção das novas normas oficiosas, que possibilitam um acercamento notável ao que é a língua galega do Brasil, Portugal e países lusófonos, mas sobretudo exprimo meu desideratum de que pola parte do poder público se favoreça o acesso efectivo aos textos do mundo de expressão galega, acolhendo institucionalmente a publicação na Galiza de obras dos escritores lusófonos clássicos e modernos, bem como sua inclusão nos programas de literatura galega, tal e como estava previsto há mais de 20 anos. E polo mais, fale-se e escreva-se como aconselhar o bom senso e a competência lingüística mas, por favor, cultive-se o bom senso, a competência lingüística e a consideração polo próximo. No aqui escrito podo enganar-me, Deus sabe mais.

Sobre a abertura de novas rotas

Conversando com Táti um dia na sua casa em gananciais com o Alfredo Ferreiro, poetas endemoninhados, e amigos, e amigos de remoer-me por dentro (o qual não é difícil dado o espírito conservador que possuo, bem como ousado), sobre as circunstâncias sociais e culturais galegas e sobre as mudanças normativas e outras interessantes cousas em que estou em parte de acordo com ela (na melhor parte), conversando, dizia, achei algo que apenas agora posso exprimir. Ela deu-me oportunidade de repensar o que -creio- sempre caracterizou este grupo de indivíduos que começou a caminhar há muito tempo como A Fábrica: que nunca houvo acordo em nada salvo na necessária insularidade (sem mesmo necessidade de explicitação) dos seus habitantes. É precisamente isso que nos fijo grupo, que não houvo concórdia nem consenso, mas senso. O rumo fora das peripécias do integrismo marxista, liberal, religioso, nacional e cultural. Longe do reduto do reintegracionismo, do nacionalismo, da literatura de resistência, mesmo, atreveria-me, longe da literatura como epifenómeno. Mas não com o intuito de criar um novo nosso reduto, mas por uma atitude isenta na procura da soberania pessoal e o aperfeiçoamento. De facto essa foi a causa da primeira cisão, e única, e única possível: a conseqüência do primeiro manifesto d'A Fábrica, em que se patenteou a incomodidade espiritual de assumir os princípios que fossem. Assim esta liga autárquica e libertária de autarcas libertários começou a andar sem pedir permisso. Creio que hoje me cabe dizer humildemente que acredito na nossa independência, na nossa virtude e no nosso presente, entanto ilhéus. Miguel Anjo Fernam-Velho dixera há 10 anos "onde estareis de aqui a 10 anos!?" e o assunto é: onde estaremos todos de aqui a 1000? Mais ou menos onde estamos agora, penso eu, se realmente estivermos.
Agora que sei que estou só nisto de mim mesmo, agora que preciso essa fraqueza e essa calma, creio que apenas ficará de mim isto que me move a escrever, toda a realidade e o amor que está aí, à volta e em cada texto, em toda a matéria e a forma que se movem quando escrevo. Afinal isso que fica fui.

Venho do mar aberto

Está um tempo prometedor, contanto que nos atrevamos a sulcar o imenso oceano que nos rodeia. Isto aqui, o lugar da fábrica, que imagino aberta, mais semelhante a um obradoiro do que a uma factoria industriosa, ao meio de azinheiras ou carvalhos ou ao pé da cordilheira do Rajastão (se o Rajastão tiver cordilheira...), isto aqui me serve para manufacturar cousas e ventos propícios. Afinal a literatura, a criação artística, é um meio que sinto especialmente próprio para espalhar as luzes que me são oferecidas nas viagens, os presentes dos amigos longínquos, os inquietantes e digestivos temperos achados nos confins da alma. E, polo mais, por considerandos sobre as políticas e outros, estou, com Fernando Pessoa, em que "tudo vale a pena, se a alma não
é pequena".

Até breve.