[A VIDA ETERNA: EPÍLOGO]
(Para o Mário, com profunda amizade, devolvendo-lhe o que é seu)
Serei explícito. Sei que as pessoas que me conhecem não irão acreditar no que vou dizer, mas eu sou de madeira e a minha vida é eterna. Não nasci de madeira, mas sou de madeira e morrerei de madeira. O meu percurso é rápido, mas eu sou de madeira. O meu ventre é cilíndrico, porque eu sou de madeira. As minhas viagens, escassas. Porque eu sou de madeira. E a minha vida, eterna. Sou um homem de diamante. Pois é minha a capacidade da reflexão. Minha, a potência da luz. Na minha face o burguês indolente derrete seu desejo de mudar. Tenho a liga dos sinos. Dos que anunciam a paz. A farinha tinge já os meus cabelos. Sou quem cruza o deserto e saúda os templos. Se existisse uma pessoa que soubesse compreender as minhas mãos, veria nelas o caminho certo da libertação. A mão aberta que é pulsão irreprimível de vida. Atrás da minha face de morto, assoma a visão palpitante do coração de deus. Porque, como tenho plagiado, eu sou a mão que rasga a roupa de deus. E quem lha rouba. Foi Gabriel quem me aconselhou no vestuário. O Velho da Montanha mostrou-me os meus intestinos e neles vi o meu caminho. Sei que desenharei cidades, sei que constuirei os malecões. Sei que caçarei nos cais o amor. Sei como são os lemes que irão florescer no meu cabelo. Sei quais são as palavras do rumo certo. Sei por que ainda me obstino em persistir na viagem. Sei muito bem qual a função dos sapos, qual, como mostrarei, a cartografia do deserto. Sei, enfim, por que esculpo o meu corpo, por que amplio os espaços do poema. A minha é a experiência de uma vida eterna, a exploração sistemática do vazio que sucumbe. O conhecimento telúrico do amor que nos funda. Isso que tem como nome canção. A vida eterna é o conhecimento exacto, a descrição minuciosa do que assinala o norte. Caminhar polo centro da rua com as roupas tiradas e alma de corço. A imaculada lentidão dos meus passos até ao centro da floresta onde a minha cabeça é um manancial que flui brutal polas ruas e as praças. Inunda a cidade. Licua os espaços. Cria a revolução. Nadam os revolucionários. E os corpos saltam como sapos gozosos. E os homens ocupam o lugar dos sapos, depois do beijo. E Baal ri enquanto perde o tempo com Vénus na biblioteca. Nos olhos do Velho da Montanha eu vi a minha origem. E eu, em silêncio na minha cadeira de pedra, estático e marismático, de madeira, ofereço estes versos poderosos de vida, estes ramos que falam da árvore que é a cidade, que é verdor entre o imundo fumo, que é uma casa, que é a pulsão de um corpo nascente, dos poros carregados de memória. E por isso ofereço hoje estes versos como demonstração incontestável da experiência de viver uma vida eterna. Cruzando o deserto, continuamente. Tendo cruzado o inferno, que é um jardim autoritário, que é o esquecimento da poesia.
Serei explícito. Sei que as pessoas que me conhecem não irão acreditar no que vou dizer, mas eu sou de madeira e a minha vida é eterna. Não nasci de madeira, mas sou de madeira e morrerei de madeira. O meu percurso é rápido, mas eu sou de madeira. O meu ventre é cilíndrico, porque eu sou de madeira. As minhas viagens, escassas. Porque eu sou de madeira. E a minha vida, eterna. Sou um homem de diamante. Pois é minha a capacidade da reflexão. Minha, a potência da luz. Na minha face o burguês indolente derrete seu desejo de mudar. Tenho a liga dos sinos. Dos que anunciam a paz. A farinha tinge já os meus cabelos. Sou quem cruza o deserto e saúda os templos. Se existisse uma pessoa que soubesse compreender as minhas mãos, veria nelas o caminho certo da libertação. A mão aberta que é pulsão irreprimível de vida. Atrás da minha face de morto, assoma a visão palpitante do coração de deus. Porque, como tenho plagiado, eu sou a mão que rasga a roupa de deus. E quem lha rouba. Foi Gabriel quem me aconselhou no vestuário. O Velho da Montanha mostrou-me os meus intestinos e neles vi o meu caminho. Sei que desenharei cidades, sei que constuirei os malecões. Sei que caçarei nos cais o amor. Sei como são os lemes que irão florescer no meu cabelo. Sei quais são as palavras do rumo certo. Sei por que ainda me obstino em persistir na viagem. Sei muito bem qual a função dos sapos, qual, como mostrarei, a cartografia do deserto. Sei, enfim, por que esculpo o meu corpo, por que amplio os espaços do poema. A minha é a experiência de uma vida eterna, a exploração sistemática do vazio que sucumbe. O conhecimento telúrico do amor que nos funda. Isso que tem como nome canção. A vida eterna é o conhecimento exacto, a descrição minuciosa do que assinala o norte. Caminhar polo centro da rua com as roupas tiradas e alma de corço. A imaculada lentidão dos meus passos até ao centro da floresta onde a minha cabeça é um manancial que flui brutal polas ruas e as praças. Inunda a cidade. Licua os espaços. Cria a revolução. Nadam os revolucionários. E os corpos saltam como sapos gozosos. E os homens ocupam o lugar dos sapos, depois do beijo. E Baal ri enquanto perde o tempo com Vénus na biblioteca. Nos olhos do Velho da Montanha eu vi a minha origem. E eu, em silêncio na minha cadeira de pedra, estático e marismático, de madeira, ofereço estes versos poderosos de vida, estes ramos que falam da árvore que é a cidade, que é verdor entre o imundo fumo, que é uma casa, que é a pulsão de um corpo nascente, dos poros carregados de memória. E por isso ofereço hoje estes versos como demonstração incontestável da experiência de viver uma vida eterna. Cruzando o deserto, continuamente. Tendo cruzado o inferno, que é um jardim autoritário, que é o esquecimento da poesia.
6 comentarios
Ramiro -
Táti -
Ramiro -
Quanta verdade dorme nas raízes deste licor que nos amamanta!!
Pedro Casteleiro -
Táti -
Magico!!!!!!!!!!
Pedro Casteleiro -