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A FÁBRICA

Poema

A Isabel.

Caminho já longe
Da casa queimada por mim:
Só salvei dela um mapa em branco
Com indicações muito precisas
Para desenvolver-me polas cidades
Que se alçam ao fundo deste espelho dormido
Em que estás a ler agora.

Deixo cair
As minhas propriedades na rua,
Expostas à inquietação dos transeuntes:
Eles não compreendem a deriva dos meus passos,
Persistem em construir casas onde sentir
A lenta dissipação das suas vidas como um prémio.

Eu, porém,
Matei todas as raízes escuras
Que assombravam a minha morte:
Conheço a alta árvore do amor, o seu
Fruto certo em que ardo e pervago livre;
E assim permaneço nesta transformação
Do meu corpo em aprendiz do nada mais pleno.

8 comentarios

chiqui -

É um poema duma intensa qualidade. Estou feliz de ver como a qualidade está presente dum jeito evidente em todos os poemas que li até agora. Parabéns a todos!

Táti -

Genial!

Pedro -

É falta de tempo ultimamente, prometo em breve enviar algo. Abraços.

Táti -

Pedro, coas ganas que tes de escribir ultimamente, parece mentira que non teñas posteado aínda ningún poema. Agardo impaciente. Vai a serio.

Pedro -

Impressionante, numa primeira leitura impressionante e surpreendente. Vejo que estes anos de trabalho derom à luz um poeta armado de vida e vide. Formalmente apurado, o poema oculta e desvenda muito do mele sincero que destila esse percurso isento e apaixonado que é a tua vida, ó Ramiro, amigo, e que está presente -eu penso- entre todos nós em diferentes tons.

Alfredo Ferreiro -

Parabéns, antes do mais, Ramiro, por este poema. Acho que ofereces imagens muito interessantes nele, por originais e pela maneira polida em que as trataste: o “espelho dormido”, as “propriedades deitadas na rua” e a “lenta dissipação da vida como um prémio”, nomeadamente me resultam afinadas. Com textos desta classe esta plataforma inevitavelmente atingirá mais e mais altura.

Mário -

É formoso, meu rei, é formoso.

Táti -

Um prazer ler o teu poema. Gostei muito.